Faz seis meses desde o “Liberation Day”, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou tarifas consideravelmente restritivas sobre diversos países, alegando tratar-se de reciprocidade.
Independentemente da incoerência dessas medidas com a macroeconomia, surpreende que o repasse das tarifas aos consumidores norte-americanos têm sido bem inferior ao previso. Um argumento possível para esse fenômeno seria o de que Trump estava correto – e, com isso, todos os economistas errados –, e são os exportadores estrangeiros que estão pagando essa conta ao reduzirem seus preços para se adequarem às alíquotas mais restritivas.
Não é bem por aí, no entanto. Os preços de importação permanecem praticamente iguais aos praticados no ano passado. Se fosse verdadeira a hipótese de que os estrangeiros estão absorvendo os custos, teríamos de observar uma queda notória nos preços dos produtos importados. Só que isso não aconteceu.
Sobram algumas alternativas já ostensivamente elaboradas. A primeira: as firmas anteciparam estoques em elevada quantidade para escapar das tarifas uma vez que entrassem em vigor. A segunda: as firmas estão “comendo” as tarifas, absorvendo preços mais altos e sacrificando suas respectivas margens ao invés de efetuar o repasse aos seus consumidores. Ambas parcialmente verdadeiras, mas insuficientes.
O verdadeiro motivo do efeito discreto das tarifas é outro. E começo por dizer que elas, na realidade, não são tão expressivas quanto parecem. A maioria dos investidores fez o cálculo das tarifas “no papel” – a média ponderada pelos volumes de importações anteriores ao anúncio.
Esse cálculo sobrestima a alíquota de importação que de fato está sendo praticada. Se quisermos saber qual é a alíquota média de fato praticada pelo governo, é preciso analisar o quanto foi arrecadado com as tarifas, e dividir pelo valor das importações no período.
Assim, alguns economistas perceberam que as tarifas “na prática” são consideravelmente menores que as tarifas “no papel”. Essa diferença explica o porquê há tanta dissonância entre o que era esperado em abril e o que acontece seis meses depois.
Os motivos dessa discrepância são consequenciais à complexidade das tarifas adotadas por Trump. As alíquotas são uma função não apenas das classes de produtos, mas também do parceiro comercial de referência. Como são muitas as listas de produtos tributados, e muitos os parceiros comerciais, o cálculo não é trivial. Além disso, as tarifas contemplam uma gama de excepcionalidades que acabam por reduzir o valor “efetivo” da alíquota.
Esse esquema abriu margem para que vários países “reclassificassem” seus produtos para categorias em que as tarifas são menos restritivas. Quando as tarifas eram tecnicamente irrisórias, essa burocracia não se fazia necessária. Afora isso, há outras maneiras de desviar das tarifas, embora menos mensuráveis e não necessariamente legais – a triangulação, por exemplo, conforme a qual um país pode utilizar outro como intermediário, explorando alíquotas menores.
O fenômeno reflete um mundo onde a cadeia global de suprimentos se tornou muito mais complexa do que há um século, e no qual existem múltiplas formas, legais e ilegais, de atenuar os efeitos das tarifas. Os livros de macroeconomia não estão “desatualizados”, como sugerem alguns membros do governo; talvez lhes fosse útil consultá-los.
Artigo escrito por José Alfaix, economista da Rio Bravo, publicado em Carta Estratégias de outubro de 2025 pela Rio Bravo Investimentos.

