
O mês de maio de 2025 terminou amargo para o presidente da
República, embora seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
pareça absorver para si o desgaste de mais um pacote fiscal
flagrantemente malsucedido, convertido em uma novela. Lula é
muito hábil em se afastar desses malogros, ao menos numa primeira
observação, parecendo que não tem nada com o assunto.
O pacote anterior, no final do ano passado, foi de corte de gastos,
mas passou à História justamente por nada cortar. Pior, na verdade,
foi aumentar o tamanho do problema ao trazer a indicação de que
haveria uma redução de impostos, a isenção de imposto de renda para
as remunerações abaixo de R$ 5 mil.
O corte que não houve foi, na realidade, uma redução de receita.
Um fiasco.
O governo de fato encaminhou ao Congresso, logo a seguir, o outro
pacote que ganhou a denominação de “reforma da renda” e também
a numeração PL 1.087/95, tendo como relator o deputado Arthur
Lira. Era redução dos impostos apenas sinalizada no pacote de
redução da gastos, acompanhada de muitas novas criações da
Receita Federal por incentivo do ministro Haddad.
O timing do projeto reforma da renda foi deliberado: o governo
pretende ingressar no período eleitoral com esse assunto em pauta.
A ideia parece ser a de transformar a isenção de IR para as
remunerações até R$ 5 mil em algo como foi o auxílio emergencial
nas eleições de 2022. O valor do auxílio, naquele momento, se
tornou uma espécie de ticket para o vencedor, e com isso os
candidatos competiram no quesito da generosidade, ainda que com
o bolso alheio. Nesse contexto, o valor do auxílio acabou
determinado numa espécie de leilão, com consequências funestas
sobre as contas públicas.
Negociações políticas difíceis acabaram orientando as decisões sobre
o valor do auxílio, bem como o seu encaixe na lei orçamentária. A
chamada PEC da Transição era a expressão desse entendimento,
assim como uma demonstração prática da máxima pela qual é bem
mais fácil haver acordo em torno da irresponsabilidade fiscal do que
sobre a austeridade.
A PEC da Transição talvez viesse a representar mesmo a
inviabilidade fiscal da próxima administração. Mas foi a solução
política diante dos impasses trazidos pela eleição. Imperativos
políticos podem certamente levar as contas públicas a uma situação
muito difícil, e não há exemplo mais flagrantes que o da Nova
República. A transição democrática se consumou, a Nova
Constituição foi escrita, mas o país experimentou um colapso fiscal
e uma hiperinflação.
O terceiro mandato de Lula parece uma pequena reprise dessa
mesma sequência em que os imperativos da política conduzem as
contas fiscais na direção da insensatez e não parece haver
alternativa.
A PEC da Transição acabou dando origem ao “arcabouço fiscal”,
um mecanismo destinado a suceder o antigo “teto de gastos”, mas
sem a força constitucional necessária para o efetivo controle do
gasto.
Seria o “arcabouço” apenas um simulacro de controle fiscal, ou seria
para valer?
A resposta estava se oferecendo exatamente em maio quando o
governo precisou responder aos achados de uma “revisão bimestral”
(na verdade ao RARDP – Relatório de Avaliação de Receitas e
Despesas Primárias) na execução orçamentária de 2025, que serviria
para aferir se as metas estavam sendo atingidas e se precisavam de
correção.
Foi em resposta aos números dessa revisão que veio o pacote do
IOF, outro fiasco em matéria fiscal, e ainda não completamente
recalibrado depois de duas semanas de cogitações.
Em sua versão inicial, era um pacote de (aproximadamente) R$ 50
bilhões composto de remanejamentos orçamentários (bloqueios e
contingenciamentos) com efeitos da ordem de R$ 30 bilhões, e R$20 bilhões de acréscimos de receitas decorrentes de novas incidências ou aumentos de alíquotas no IOF.
Parecendo imitar o pacote do fim do ano, neste também houve um
“jabuti” que prejudicou o conjunto. No primeiro pacote foi a
isenção para as rendas abaixo de R$ 5 mil. No pacote de maio de
2025, foi um recuo parcial “após diálogo e avaliação técnica”,
cancelando a nova incidência de IOF sobre investimentos de fundos
nacionais em ativos no exterior. Nem era, quantitativamente, tão
importante, mas é esteticamente complexo mudar de ideia em
pacote econômico horas depois do anúncio.
Outro problema “estético”, ou melhor dizendo, de natureza
conceitual, era o próprio IOF, um imposto de natureza regulatória.
Em tese, esse tipo de tributo é para ter incidências muito pontuais,
com intuito alocativo e circunstancial, tal como a CIDE é usada (ou
deveria ser) para moderar o impacto de flutuações no preço do
petróleo sobre os preços domésticos dos derivados. Ou, no caso do
próprio IOF, para fazer controle de capitais em momentos de
“enchente” (como alternativa à chamada “quarentena”).
A incidência do IOF sobre operações de crédito sabidamente eleva
o spread bancário. O momento do ciclo da política monetária – o
pico da elevação de juros – estaria a indicar uma redução no IOF e
não um aumento de alíquota, e menos ainda uma extensão das
incidências (como sobre o “risco sacado”, ou sobre securitizações).
O governo havia prometido eliminar o IOF sobre operações de
câmbio em duas ocasiões: primeiro quando quis aderir às obrigações
do Artigo VIII dos estatutos do FMI. Depois, mais recentemente,
no contexto da adesão aos códigos da OCDE.
Mas o IOF sobre câmbio resistiu, principalmente sobre os gastos
com cartões de crédito no exterior. A velha subcultura de controles
cambiais ainda parece viva como justificativa para a tributação de
despesas supérfluas, as que são feitas em moeda estrangeira.
Outro problema “estético”, ainda mais difícil e inesperado, foi o
Congresso.
Diz-se que é assunto “estético” porque o pacote é de atos do
presidente da República: decretos não carecem de aprovação do
Legislativo.
Apenas por polidez ou reverência, o Executivo avisa as lideranças
do Congresso. Não se trata de autorização.
Entretanto, quando a matéria está muito errada, ou quando as
condições políticas estão muito frágeis, ou ambas, o Congresso se
movimenta para opinar e mesmo alterar o ato do Executivo.
É raríssimo que mesmo se cogite a votação de Decreto Legislativo
para invalidar um ato do presidente da República. Raro e grave. Mas
o fato é que essa possibilidade logo apareceu com destaque,
havendo, segundo relatos, “insatisfação geral dos deputados” e
“clima para derrubada do decreto do IOF”.
Era um sinal inequívoco de fraqueza política. O ministro Haddad
logo procurou conversar com as lideranças e diluir o clima ruim. O
ministro admitiu rever o pacote em benefício de uma “solução
estrutural” de impactos mais duradouros, que seria conversada com
a lideranças do Legislativo, e posteriormente anunciada.
Os dias foram passando.
O ministro adiantou que a conversa envolvia mesmo uma proposta
de emenda constitucional, além de um projeto de lei e uma medida
provisória. Mas não disse do que se tratava, limitando-se a falar de
“correção de distorções”, seu código para aumento de imposto.
Esse pacote remodelado ainda permanece em elaboração, numa
espécie de indefinição negociada, pela qual as possibilidades iam se
apresentando ao noticiário, e ao Parlamento, em clima de absoluto
improviso.
O Legislativo resistiu e resistirá a se tornar sócio do pacote e
certamente não vai empreender os cortes de despesa que o
Executivo expressamente se recusou a fazer. O impasse está
colocado, provavelmente levando a outro “não pacote” como o de
cortes de gastos. A ver.
Tudo isso teve lugar no contexto da divulgação de mais uma
pesquisa de intenção de votos e aprovação com resultados muito
ruins para o governo. A pesquisa já capturava os impactos do
escândalo dos descontos indevido nas aposentadorias pagas pelo
INSS a favor de entidades sindicais parecendo recriar
fraudulentamente o imposto sindical.
O presidente da República se afastou prudentemente de tudo isso
graças a uma viagem para a França, cheia de agendas positivas e
boas oportunidades para comentários espirituosos sobre temas
internacionais.
As contas fiscais estão em desordem, os pacotes para endereçar o
problema vão fracassando de forma cada vez mais flagrante, os juros
estão em 15%, e a inflação não cede. O PIB também não cede. A
economia é forte e teria muito a se beneficiar de finanças públicas
organizadas e juros normais. Seria preciso repensar seriamente a
política fiscal.
Entretanto, o governo prossegue guiado pela tese de que tem apenas
um problema de comunicação.
Leia a Carta Estratégias Maio 2025 na íntegra, no site da Rio Bravo.
Artigo por: Gustavo Franco, sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil.