Desde a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) em agosto de 2023, a palavra “gasto” anda flexível demais. A definição de gasto primário é simples, sem nuances: todo o gasto não relacionado ao pagamento de juros da dívida e encargos financeiros é definido como primário. Mas, se de um lado o dicionário dá pouco espaço para a desvirtuação do termo, o desenho do NAF compensa com vista grossa.
São muitos truques para que gastos deixem de parecer despesas, ao menos diante da regra fiscal. Com isso, a regra fica mais fácil de ser atendida. Entretanto, pela ótica da dívida pública, esses “gastos excetuados” são como qualquer outro.
De acordo com a Constituição Federal, os créditos extraordinários são despesas pagas fora do orçamento, abertos única e exclusivamente para atender situações imprevisíveis e urgentes. O que classifica um gasto dentro dessa categoria, no entanto, é circunstancial.
Parece que uma boa narrativa e um orçamento espremido têm sido o suficiente para que todo gasto seja urgente. Essa elasticidade na definição de “urgência” facilita a retórica governista de que gasto não é despesa.
Há uma coleção desses episódios em 2025. Primeiro, a intenção aberta de empurrar o Auxílio-Gás para fora do orçamento sem nenhuma prerrogativa razoável, como se testassem até onde dá para esticar a corda. Agora, um projeto de lei para retirar do resultado primário os aportes feitos às empresas afetadas pelo tarifaço dos EUA. E, o mais surpreendente: a reivindicação de que a restituição aos aposentados do INSS prejudicados pelos descontos ilegais também não deveria entrar na regra fiscal.
É necessário lembrar, nas palavras do novo ministro da Previdência, quem vai ressarcir as vítimas: “o dinheiro vai ser do Tesouro, tem que ser”, pontuou. Afinal, tanto gasto como despesa, na meta ou fora dela, precisa ser pago com dinheiro.
Vejam que a nomenclatura adotada é irrelevante quando pensamos em efeito sobre a dívida pública. Esta, como é estoque, cresce sem preconceito. Qualquer despesa – ordinária ou extraordinária – que precise ser coberta via endividamento levará ao seu aumento.
Diante de todas essas variações sobre a definição de gasto, é necessário repensar qual propósito a regra fiscal atual atende. Disciplina ou criatividade?
Artigo escrito por José Alfaix, economista da Rio Bravo, publicado em Cartas Estratégias de agosto de 2025 pela Rio Bravo Investimentos.

