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O Brasil e o impasse regulatório da inteligência artificial 

O mundo vive uma revolução em torno da Inteligência Artificial (IA). À medida que a tecnologia avança, os países têm debatido sobre como regulamentá-la, em um delicado equilíbrio entre competitividade, inovação e proteção de direitos. O que está em jogo é a própria posição dos países na futura economia digital, e o Brasil não pode se omitir. 

Até 2024, ganhava força um modelo regulatório cauteloso, apoiado até por nomes do Vale do Silício, como Elon Musk, que pediam uma pausa no desenvolvimento da IA e protocolos de segurança. A União Europeia liderou este movimento com a aprovação, em 2024, do IA Act, lei que adotou uma abordagem baseada em risco e impôs exigências rigorosas de transparência, gestão de riscos, auditorias e supervisão por autoridades reguladoras. 

Mas mesmo nos Estados Unidos, onde predomina uma tradição regulatória mais flexível, o então presidente Joe Biden emitiu um decreto com foco na mitigação de riscos da IA, abordando temas como proteção ao consumidor, direitos civis, diversidade e discriminação, proteção a empregos e privacidade. No Brasil, a trajetória parecia semelhante: em dezembro de 2024, o Senado aprovou o Projeto de Lei nº 2338/2023, fortemente inspirado no modelo europeu. 

Inovação passa a orientar a regulação. Em meio à corrida global pela inovação e pelo domínio da IA, países começam a flexibilizar suas abordagens regulatórias. Nos Estados Unidos, a gestão Trump rapidamente revogou o decreto de Biden e instituiu novas diretrizes para remover barreiras regulatórias e promover a liderança americana em IA. A supremacia tecnológica é tratada como questão de segurança nacional, sobretudo frente ao avanço chinês.  

No Japão, que há anos declara que quer ser “o país mais amigável do mundo à IA” e vê a tecnologia como fundamental para enfrentar desafios internos (como o envelhecimento da população e a escassez de mão de obra) e externos, a sua nova lei de IA aprovada em maio de 2025 enfatiza inovação e competitividade. A lei até estabelece responsabilidades para desenvolvedores e fornecedores, mas sem impor sanções como forma de não desestimular o setor. A abordagem reflete uma tendência na região Ásia-Pacífico, com países como Cingapura e Coreia do Sul também optando por regulações mais flexíveis. 

Mesmo a União Europeia começa a repensar seu modelo. A percepção de que o excesso de burocracia pode comprometer sua competitividade levou a Comissão Europeia a iniciar uma revisão do GDPR, para reduzir custos regulatórios e impulsionar a economia digital. É simbólico: o regulador global por excelência reconhece que precisa recalibrar sua estratégia para não ficar defasado. 

Brasil precisa definir logo seu modelo. Enquanto outros países se reposicionam, o Brasil segue paralisado. Com todas as suas virtudes e limitações, o PL nº 2338/2023 permanece estagnado na Câmara desde o fim de 2024. Essa inércia reflete, em parte, a transição em curso no debate global sobre a regulação da IA e as preocupações de que, da forma como está, o PL pode sufocar a inovação sem, necessariamente, garantir mais proteção aos brasileiros.  

No entanto, sem um modelo claro e adaptado à realidade nacional, o país corre o risco de ficar à margem da transformação tecnológica. Um caminho possível seria adotar modelo similar ao japonês, promovendo a IA como ferramenta de desenvolvimento, competitividade e eficiência pública sem sufocar o setor com exigências desproporcionais. Nesse sentido, o lançamento da versão final do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), com orçamento de R$ 23 bilhões, é promissor. Mas ainda faltam estratégias concretas para atrair investimentos, garantir autonomia tecnológica e reduzir dependência externa. 

Por fim, o entusiasmo pró-inovação não deve obscurecer que ainda não conhecemos todos os riscos da IA, nem compreendemos plenamente seus impactos sobre a sociedade. Mesmo pioneiros da IA, como Geoffrey Hinton, têm alertado que a tecnologia pode ultrapassar a inteligência humana e sair de controle em menos de uma década. Além dos riscos sistêmicos, a IA pode acirrar desigualdades sociais, gerar desemprego estrutural e facilitar crimes digitais. Até o Japão aprovou uma resolução recomendando a adoção de medidas contra problemas sobre os quais há consenso crescente dos males da IA, como deepfakes e conteúdos ilícitos gerados por IA. 

O Brasil precisa, portanto, tomar uma decisão urgente e estratégica. Não se trata de escolher entre liberdade irrestrita e controle absoluto, mas de encontrar um equilíbrio: proteger direitos, mitigar riscos e, ao mesmo tempo, criar um ambiente fértil para a inovação. A IA pode ser uma ferramenta de desenvolvimento e inclusão – ou de manipulação e exclusão. O futuro da IA será definido pelas escolhas de cada país. E o Brasil precisa decidir como quer jogar esse jogo. 

Texto por Marcelo Cárgano, advogado e coordenador do Japan Desk no escritório Abe Advogados. É formado em Direito e Jornalismo pela USP, mestre em Sociologia pela Universidade de Osaka, e pós-graduando em Direito Digital pelo ITS-UERJ. Possui especialização em Direito Digital e Proteção de Dados, com certificações da IAPP (CIPM) e EXIN. 

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